sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Os clássicos não são tudo de uma banda


Há bandas que, por mais que tenham tido uma longa existência, ficam marcadas por formações clássicas. No caso do Deep Purple, os fãs tendem a considerar apenas aquelas que tiveram nos vocais Ian Gillan, relegando a fase de David Coverdale meio como secundária. Os admiradores do Black Sabbath escolhem ou Ozzy Osbourne ou Dio - que também é sempre considerado "a voz" do Rainbow. No Van Halen, só vale o Dave Lee Roth. E por aí vai...

O que muitos fãs acabam deixando de notar é que, mesmo nas outras fases de suas bandas preferidas - algumas delas beeem ruins, com vocalistas inadequados, canções não tão inspiradas etc - há pérolas escondidas. Apesar da apatia de períodos de baixa popularidade, muitas vezes apareceram músicas bem interessantes, e contribuições valiosas dos músicos que, via de regra, foram esquecidas pela história. Tanto que, na onda já não tão nova assim de retorno de grupos dinossáuricos, a tendência predominante é que se toquem sempre as canções da fase que tem mais apelo junto ao público. O resto da produção não é nunca executado ao vivo, e mesmo os relançamentos em CD são, às vezes, escassos.

Um caso clássico disso é o Rainbow. Formado em 1975, quando o enfezado guitarrista Ritchie Blackmore se encheu do Deep Purple e saiu, o grupo lançou quatro discos que foram canonizados como clássicos, e que representam a banda em sua melhor forma - todos com Ronnie James Dio no microfone. Eles incluem a estreia Ritchie Blackmore's Rainbow (1975), o elétrico Rising (1976), o ao vivo On Stage (1977) e o canto derradeiro de Long Live Rock'n'Roll (1978). Clássicos como "Kill the King", "Still I’m Sad" (não a versão do Yardbirds; esta viria depois), "Long Live Rock'n'Roll", "Stargazer", "Man on the Silver Mountain" são realmente imortais. Mas... e depois?

Com a saída de Dio, Blackmore achava que era necessário fazer sucesso nos Estados Unidos. Para isso, entrou na onda então predominante do Adult-Oriented Rock (AOR) - ou seja, músicas sem tanto punch, mais redondinhas para tocar na FM. Para isso, chamou o hit-maker Russ Ballard (do Argent) para contribui com as letras, e colocou nos vocais o desconhecido Graham Bonnet para ser a nova voz do Rainbow em Down to Earth (1979).

O primeiro disco sem o elfo Ronnie James Dio

O resultado? Claro que não se compara com a fase Dio. Há baladas muito melosas, e refrões chicletentos em profusão. Mas também há bons momentos. "Lost in Hollywood" tem uma pegada legal; "All Night Long" e "Eyes of the World" são matadoras. Uma ótima canção que acabou ficando de fora desse registro é "Bad Girl", que só apareceria anos depois na coletânea Finyl Vinyl (1986). Nela, Bonnet consegue impor uma certa garra na música, que ainda tem um DNA roqueiro, apesar da intenção AOR.

Bonnet, apenas um registro

A seguir viria um vocalista odiado pelos fãs tanto do Rainbow quanto do Deep Purple: o norte-americano Joe Lynn Turner. Com a equipe (ou as equipes, já que os integrantes do grupo viviam sendo mudados pelo chefão Blackmore), ele gravou Difficult to Cure (1981), Straight Between the Eyes (1982) e Bent Out of Shape (1983). Mais tarde ele substituiria Ian Gillan no reformado Deep Purple para gravar Slaves & Masters (1989), considerado por alguns fãs como uma continuação do Rainbow; afinal, tinha três integrantes da última formação – Turner nos vocais, Blackmore na guitarra e o baixista-produtor-pau-para toda obra Roger Glover.

Hora do exame... do novo vocalista!

A tendência de músicas melosas continuou e até aumentou, mas passado o primeiro disco - que ainda tinha canções pensadas em Graham Bonnet como vocalista, como "I Surrender" (novamente de Russ Ballard) o novato engrenou nos discos seguintes. Canções como "Death Alley Driver" (e seu clipe hilário, com Mr. Blackmore personificando a Morte), "Stone Cold", "MISS Mistreated", "Rock Fever", "Stranded", "Fire Dance", "Desperate Heart" e mesmo a baladinha de videoclipe "Street of Dreams" podem ser considerados momentos bem interessantes da história da banda.


Chega o "spotlight kid"

Blackmore também oscilava entre pegadas preguiçosas (e às vezes até recicladas de outras músicas suas) e a criação de grandes riffs. "Stone Cold", por exemplo, começa com uma guitarrinha meio simplória, mas vai aumentando sua participação na música. O mesmo acontece em outra faixa do mesmo disco, "MISS Mistreated". E há também, claro, as mostras de virtuosismo clássico de Blackmore que influenciariam tantos guitarristas dos anos 80 e 90, como em "Vielleicht Das Nächste Mal (Maybe the Next Time)" e "Difficult to Cure", por exemplo.


Grandes canções, grandes performances do Mr. Zangado...

O disco de 1983 foi o fim do Rainbow, uma vez que o Deep Purple retomou suas atividades no ano seguinte. Mas isso só duraria até 1993, quando o ainda enfezado Blackmore voltou a pedir as contas. E voltou com o Rainbow, desta vez tendo como vocalista Doggie White. O disco resultante, Stranger in Us All (1995), conseguiu ser talvez o melhor da banda sem Dio; afinal, a preocupação com o sucesso das FMs já não era um fator relevante. Belas canções, como "Ariel", ao lado de momentos interessantes (às vezes em uma levada meio Dio), como "Wolf to the Moon", "Hall of the Mountain King" e "Still I’m Sad" (essa sim, cover do Yardbirds). Grande álbum, injustamente esquecido.

O canto do cisne

Depois disso, o fim. Blackmore continua na ativa no Blackmore’s Night, e Joe Lynn Turner faz seus shows solo com canções da época do Rainbow. Uma possível volta das formações não-tão-clássicas é sempre possível, mas nada provável – uma volta do zangado ao Deep Purple, ainda que remota, é menos absurda.

No próximo post será focada a história do Black Sabbath sem Ozzy e Dio.

Sérgio "Pirata" Siscaro